No Recôncavo da Bahia, território de longa história de cativeiros e rebeliões escravas, onde o trauma colonial convive com o racismo estrutural contemporâneo e, simultaneamente, com o cotidiano de resistência de populações negras tradicionais, foi fundada, em 2006, a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, uma universidade pública, gratuita e multicampi, resultado do projeto de democratização e interiorização do ensino superior no Brasil, posto em ação pelo Governo Lula. Em Cachoeira, cidade heróica, como é conhecida, pólo de vasta produção agrícola no século 18, destino de milhares de africanos escravizados, origem do levante que culminou na Independência da Bahia, instalou-se o Centro de Artes, Humanidades e Letras onde, em 2008, inaugurou-se o curso de Graduação em Cinema e Audiovisual. É neste abrigo histórico-institucional que se situa a experiência de ensino público de cinema para a qual ofereceremos um relato. A partir da análise de algumas obras produzidas por estudantes durante a última década, buscaremos entender como o chamado histórico emanado deste território tem motivado a realização de filmes como lugar de inscrição e produção de subjetividades genuinamente contra-hegemônicas. A cidade, no interior e no profundo da Bahia, no presente da universidade e no passado da colonização, oferece às práticas cinematográficas formativas não uma paisagem ou um repositório de narrativas mas uma ancoragem histórica, que se desdobra, por sua vez, nos tempos próprios da pedagogia política e do cinema de intervenção social: convoca ações no presente material da história, libera imaginários de reinvenção e lega para o futuro um arquivo vivo de existências possíveis.

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