por Rosângela Pereira de Tugny

Enquanto dormimos nas cidades, lá, em suas aldeias, no meio de descampados cobertos de colonião, os Tikmu’un fazem vigília e cantam frases como: corruíra sentado no galho reto ua ua uẽẽ, deixou o rastro na beira do rio; xô xôxô ê ê, sabiá-laranjeira de máscaras brancas; surucuás-de-coleira entre as frutas colorem colorem hai ai hai ai. Quando saem de suas aldeias percorrem longas distâncias, desde os limites do estado de Minas Gerais com Bahia até o litoral. Andam por estradas, acampam em praças, procuram os restos de rios. Para nós, atravessam campos de desolação. Os animais, as frutas, as cores e os perfumes dos seus cantos não estão mais ali. Seus primos, tios, cunhados, amigos e inimigos que ali viviam desapareceram. Ao ver estes bandos com seus rostos marcados pelas desordens que o uso intenso do álcool, os embates físicos, a desnutrição e mesmo a vigília, e ao constatar os poucos objetos que carregam consigo ou ainda as roupas que cobrem seus corpos, somos tomados pela compaixão, como uma comum avaliação de quem vive em um conforto social, físico. Os Tikmu’un se dão a ver, assim, quando atravessam os espaços das cidades, dos carros, das velocidades. No entanto, prezam ser vistos diariamente pelos seus yamiyxop, cruzar suas miradas e fazer ressoar seus corpos com esta multitude de seres que permitiu sua vibrante, vigorosa e mística sobrevivência, ali onde tudo nos faz pensar que suas imagens estão se esvaindo.

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