por Paulo Tavares


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O impacto exponencial das pegadas humanas no Sistema Terra gerado durante as chamadas “décadas de desenvolvimento” da Guerra Fria, o ponto de inflexão a partir do qual foi lançado o que os cientistas do clima chamam de Grande Aceleração – “a mais rápida transformação das relações humanas com o mundo natural em toda a história da humanidade” – , foi acompanhado e está intrinsecamente relacionado à imposição de um estado de exceção generalizado nas fronteiras do Terceiro Mundo, imposição essa que foi articulada e levada a cabo pela generalizada destruição ambiental. A partir de Brasília – a quintessência do urbanismo colonial brasileiro –, esse projeto vasculha os arquivos cartográficos da colonização moderna da Amazônia, mapeando as relações entre violência política e ambiental que estabeleceram as bases da mudança pós-climática contemporânea e da condição geopolítica-geofísica do Antropoceno. Mais do que um dano colateral e indesejado do “crescimento”, “desenvolvimento”, “progresso”, “modernização”, a mudança climática global é o produto da violência do colonialismo direto contra humanos e não-humanos, pessoas e ambientes, sociedades e paisagens. A apresentação ocupa-se de um caso específico denunciado pela Comissão da Verdade no Brasil: a genocida “política de apagamento” empregada contra os Kiña da Amazônia Central pelo regime militar. Através da análise de teledetecção remota avançada, o projeto pretende mostrar como essa política foi intencionalmente elaborada para eliminar – via destruição e re-construção – um modo de habitação que é refratário aos geômetras do Estado nacional-desenvolvimentista. Essa cartografia – uma busca pelas aldeias perdidas dos Kiña – desafia as epistemes da arquitetura/urbanismo, revelando a arqueologia de uma polis (política) contra o Estado. Fora dos muros da cidade, às margens do aparato estatal, essa “polis da floresta” concentra as lutas políticas mais importantes do Antropoceno.

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