por Amaranta César
Em 1968, em uma mesa redonda em que se debatia os termos e as condições do cinema político, alguém sentado na plateia pergunta a Jean-Luc Godard: “O senhor prefere realizar um filme ou elaborar um discurso social?”. Ao que ele responde: “Eu não vejo nenhuma diferença”. “Quer dizer, então, que o senhor tenta mudar o público?”, pergunta novamente a pessoa do público. “Bom, sim! Nós tentamos mudar o mundo”. Encerra-se a questão. No prolongamento imaginário que me ocorre, hoje, a frase definitiva de Godard dispara uma sonora gargalhada no público, neste público do nosso tempo, temperado pelo desgaste e pela descrença, pela astúcia e a amargura, a sagacidade ou o cinismo. Parece fazer um certo tempo em que já não se faz confissão de propósitos de tal natureza (nem para fazer graça), e que os filmes e o mundo enlaçam-se em orações compostas, com conectivos desafiadores e relações complexas. No entanto, no Brasil atual, nota-se a proliferação de filmes, gestados em contextos de disputas políticas e em associação com movimentos sociais recentes ou já consolidados, como o movimento Passe Livre, o #OcupeEstelita e os movimentos indígenas, nos quais se inscreve o desejo explícito de intervenção e transformação social, a exemplo de Ressurgentes, um filme de ação direta (Dácia Ibiapina), Audiência Pública? (Ernesto de Carvalho, Leon Sampaio, Marcelo Pedroso e Pedro Severien) e Martírio (Vincent Carelli). Buscarei me aproximar desses filmes não para interrogar a eficácia social ou mesmo simbólica de suas imagens, mas para investigar seus agenciamentos estéticos e os modos de engajamento do olhar que aí se inscrevem, considerando, como ponto de partida, as disputas políticas e mobilizações sociais que lhes são fundadoras. Do ponto de vista metodológico, tal abordagem empenha-se em compreender as imagens enquanto ação, bem como em pensar o estético a partir do político – e não o inverso. Revisitaremos os conceitos de “cinema militante”, “cinema engajado” e “cinema urgente”.