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O estar vivo da fotografia: imagens que interpelam a guerra em papel descripto

por Glaura Cardoso Vale


No contexto da Guerra Colonial em Angola, um jovem soldado, aspirante a escritor, envia à sua esposa cerca de 299 cartas entre os anos de 1971 e 1973. Estamos nos referindo ao romancista português António Lobo Antunes, cuja própria experiência na guerra como médico combatente e questões relativamente à História de Portugal, com seus fantasmas imperiais, atravessam sua extensa obra. Junto às missivas, que compõem D’este viver aqui neste papel descripto (2005), fotografias trocadas entre o casal apontam para a esperança de retorno, sendo vestígios de uma presença ausente, fundamental para o manter-se vivo e como prova, considerando os parentes que aguardam notícias, de que há integridade física apesar da guerra. As fotografias parecem ter aqui um fim específico: fragmentar o álbum de família para narrar a ausência. No livro, uma única fotografia parece se descolar do conjunto. Na chegada em Angola, antes mesmo de descer em terras africanas, no convés do navio, o jovem soldado estende a mão, recusando o registro. Essa imagem, marcada pela incerteza perante a iminência de morte parece empurrar o futuro. Diante disso, podemos compreender o gesto de quem fotografa como a máquina que se precipita, que antecipa o isso foi barthesiano? E o gesto que se impõe à imagem no instante de perigo, aquele a travar o destino que de saída lhe fora imposto? Em companhia das demais fotografias (retratos oficiais que se somam aos de âmbito privado), pretende-se, nesta apresentação, discutir como esse gesto da recusa problematiza não apenas o dispositivo fotográfico, o “esperar” ou “não esperar”, de que nos fala Maurício Lissovsky, mas também a própria guerra.

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