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Luiz Gustavo Pereira de Souza Correia: "Sobre tortura e memória, corpos e narrativas nos documentários brasileiros contemporâneos"

Essa comunicação tem por objetivo discutir os sentidos atribuídos aos corpos objetos de práticas de tortura no período da ditadura civil-militar no Brasil a partir da forma como tais atos de extrema violência do Estado são rememorados e narrados nos documentários contemporâneos e sua relação com as políticas da memória na nossa história nacional recente. Seguindo a questão posta por Maria Rita Kehl “por que parece que o corpo torturado não diz respeito a maioria de nós?” e a imbricação percebida por Jeanne Marie Gagnebin entre a ignorância e a indiferença em relação às lutas de resistência do passado e o medo corrente da violência cotidiana, ao pensarem “o que resta da ditadura” (SAFATLE; TELES, 2010), procura-se compreender a conivência, aceitação ou silenciamento de segmentos da sociedade brasileira diante das práticas de extrema violência aplicadas a determinados corpos. Propõe-se que a percepção de tais corpos como “corpos abjetos” (BUTLER, 2002, 2003, 2009; RUI, 2016) é o que sustenta a “radical desidentificação”, o distanciamento total que torna o sujeito torturado “nosso dessemelhante absoluto” (KEHL, 2010). Os corpos das vítimas de torturas seriam vistos como transgressores, subversivos ou perigosos, “corpos que perturbam ficções de identidade, sistema e ordem” (RUI, 2016). Assim, o corpo é pensado aqui para além de uma entidade na qual se inscrevem mecanismos de poder e dominação, mas um emaranhado material, social e político, configurado na relação interdependente com outros corpos. A discussão volta-se, por fim, à potencialidade do cinema e do trabalho da rememoração como contraponto ao silêncio e ao rompimento da memória provocados pela cultura do terror (TAUSSIG, 1993) produzida pela ditadura civil-militar brasileira. Afirma-se então que os sujeitos que rememoram tal período e suas práticas de terror, como artesãos da memória (BENJAMIN, 1994), integram seus corpos e suas experiências no ato de narrar, revelando pelos seus olhares e pelas suas vozes corpos marcados pela violência, corpos opressores e corpos ausentes, bem como espaços e objetos significados pelo medo, pelo silenciamento, pelo trauma e pela dor.

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